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(Kiev) - Forças russas que mantinham o controle de grande parte das regiões de Kiev e Chernihiv no nordeste da Ucrânia de fins de fevereiro a março de 2022 submeteram civis a execuções sumárias, torturas e outros graves abusos que aparentam ser crimes de guerra.

Em 17 vilarejos e pequenas cidades das regiões de Kiev e Chernihiv visitadas em abril, a Human Rights Watch investigou o que aparentam ser 22 execuções sumárias, 9 outras execuções ilegais, 6 possíveis desaparecimentos forçados e 7 casos de tortura. Vinte e um civis descreveram confinamento ilegal em condições desumanas e degradantes.

“As numerosas atrocidades cometidas pelas forças russas que ocupavam partes do nordeste da Ucrânia no início da guerra são abomináveis, ilegais e cruéis”, disse Giorgi Gogia, Diretor adjunto da Human Rights Watch para a Europa e Ásia Central. “Estes abusos contra civis são crimes de guerra evidentes que devem ser pronta e imparcialmente investigados e devidamente julgados”.

A Human Rights Watch entrevistou 65 pessoas entre 10 de abril e 10 de maio, incluindo ex-prisioneiros, sobreviventes de tortura, famílias de vítimas e outras testemunhas. A Human Rights Watch também examinou provas físicas nos locais onde ocorreram alguns dos supostos abusos, assim como fotos e vídeos compartilhados por vítimas e testemunhas.

Desde a invasão russa à Ucrânia em 24 de fevereiro, as forças russas estiveram implicadas em numerosas violações das leis de guerra que podem configurar crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A Human Rights Watch já havia documentado 10 execuções sumárias na cidade de Bucha e em várias outras cidades e vilarejos do nordeste do país durante a ocupação das forças russas em março.

Em uma das 22 mortes recentemente documentadas, na região de Kiev, Anastasia Andriivna disse que estava em casa no dia 19 de março quando soldados detiveram seu filho, Ihor Savran, 45 anos, depois de terem encontrado seu velho casaco militar. Em 31 de março, dia seguinte à retirada das forças russas, Anastasia Andriivna encontrou o corpo de seu filho em um celeiro a cerca de 100 metros de sua casa, após reconhecer seus tênis, que despontavam entre as portas do celeiro.  

Civis relatam terem sido detidos pelas forças russas durante dias ou semanas em condições imundas e sufocantes em locais como um porão de escola, uma sala em uma fábrica de janelas e um poço em uma sala de caldeiras, com pouca ou nenhuma comida, água imprópria e sem acesso a banheiros. Em Yahidne, as forças russas mantiveram mais de 350 residentes, incluindo pelo menos 70 crianças, 5 delas bebês, em um porão de uma escola por 28 dias, limitando severamente sua capacidade de sair mesmo por um curto período. Havia pouco ar ou espaço para se deitar e as pessoas tinham que usar baldes como sanitários.

“Depois de uma semana todos estavam tossindo bruscamente”, afirmou uma pessoa que havia sido mantida em detenção na escola. “Quase todas as crianças tinham febres altas, espasmos de tosse, e vomitavam”. Uma outra pessoa afirmou que algumas entre elas desenvolveram lesões e feridas por ficarem constantemente sentadas. Dez pessoas mais velhas faleceram.

Em Dymer, as forças russas detiveram várias dezenas de pessoas, os homens sendo vendados e algemados com laços de amarrar cabos, durante várias semanas em uma sala de 40 metros quadrados na fábrica de janelas da cidade, com pouca comida e água, e baldes como banheiro.

A Human Rights Watch documentou sete casos de tortura em que soldados russos espancaram pessoas detidas, fizeram uso de choques elétricos ou simularam execuções para coagi-los a fornecer informações. “Eles colocaram um fuzil na minha cabeça, carregaram-no e eu ouvi três tiros”, disse um homem que tinha sido vendado. “Eu também podia ouvir as cápsulas das balas caindo no chão, e pensei que era o meu fim”.

A Human Rights Watch documentou nove casos em que forças russas atiraram e mataram civis sem uma justificação militar evidente. Na tarde do dia 14 de março, por exemplo, quando um comboio russo passou pela vila de Mokhnatyn, a noroeste de Chernihiv, soldados atiraram e mataram dois irmãos de 17 anos, gêmeos, e um amigo de 18 anos.

Todas as testemunhas entrevistadas disseram que eram civis e que não haviam participado das hostilidades, exceto duas vítimas de tortura que disseram ser membros de uma unidade de defesa territorial local.

Todas as partes do conflito armado na Ucrânia são obrigadas a cumprir o direito humanitário internacional, ou as leis de guerra, o que inclui as Convenções de Genebra de 1949, o Primeiro Protocolo Adicional às Convenções de Genebra, e o direito internacional consuetudinário. As forças armadas beligerantes que têm controle efetivo de uma área estão sujeitas ao direito internacional de ocupação encontrado nos Regulamentos de Haia de 1907 e nas Convenções de Genebra. O direito internacional dos direitos humanos, em especial o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos, é aplicável a todo momento – em tempos de guerra ou não.

As leis da guerra proíbem ataques a civis, execuções sumárias, tortura, desaparecimentos forçados, confinamento ilegal e tratamento desumano de prisioneiros. A pilhagem e o saque de bens também são proibidos.  O confinamento de civis ou sua colocação em residência fixada é permitida excepcionalmente por “razões imperativas de segurança”. Qualquer que seja a parte do conflito que ocupe o território é geralmente responsável por garantir que alimentos, água e assistência médica sejam disponibilizados para a população sob seu controle, e por facilitar o fornecimento de assistência realizado por agências de ajuda humanitária.

Qualquer pessoa que ordene ou cometa violações graves das leis de guerra com intenção criminosa, ou que ajude e encoraje violações, é responsável por crimes de guerra. Comandantes de forças que sabiam ou que tinham motivos para ter conhecimento sobre tais crimes, mas não tentaram impedi-los ou punir os responsáveis, são criminalmente responsáveis por crimes de guerra pela chamada responsabilidade de comando.

A Rússia e a Ucrânia têm obrigações, nos termos das Convenções de Genebra, de investigar alegados crimes de guerra cometidos por suas forças ou em seu território e de conduzir os responsáveis a um processo judicial adequado. As vítimas de abusos e suas famílias devem receber reparação imediata e adequada.

Como questão geral, as autoridades ucranianas devem tomar medidas para preservar as provas que possam ser cruciais para futuros julgamentos de crimes de guerra, inclusive por meio do isolamento de sepulturas até que sejam realizadas exumações profissionais, tirando fotos de corpos e da área ao redor antes do enterro, registrando as causas de morte quando possível, registrando os nomes das vítimas e identificando testemunhas, e procurando identificar o material que as forças russas possam ter deixado para trás.

“É cada vez mais claro que os civis ucranianos nas áreas ocupadas pelas forças russas sofreram situações terríveis”, disse Giorgi Gogia. “Pode ser que a justiça não venha imediatamente, mas todas as medidas devem ser tomadas para garantir que aqueles que sofreram não tardem a ver justiça ser feita”.

 

Para acessa o relatório completo em inglês, visite: https://www.hrw.org/news/2022/05/18/ukraine-executions-torture-during-russian-occupation

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